
Os Sonhos do Meu Pai
Pai, faz muito tempo que eu quero escrever, mas a vida por aqui tem sido corrida demais.
Não é desculpa, pai. É jogo toda semana, concentração quase todo dia, e uma final a cada partida.
Longe de mim reclamar, porque só você sabe o quanto lutamos para que eu pudesse estar aqui.
Deus tem estado comigo todos os dias, nos bons e nos ruins, e não tem me faltado nada, graças ao Criador.
Mas que eu gostaria que você estivesse aqui, ah, sim, como eu gostaria.
Só assim, pai, você poderia testemunhar que nada foi em vão.
Antes de entrar em campo, sou capaz, num instante, de lembrar daquele começo…
Eu tinha cinco anos e fomos fazer um teste numa escolinha do Vasco. Não tinha ninguém para ir jogar no gol. E então eu tomei a decisão que mudaria a minha vida e a vida da nossa família. Eu fui pra debaixo das traves.
Nunca te perguntei, mas imagino que você deve ter ficado um pouco espantado. Sempre que o Dudu, meu irmão mais velho, queria ir pro gol, você não deixava. Era o primeiro a dizer que goleiro nem pensar. Numa partida, o goleiro pode acertar dez vezes, mas só ficará marcado pelo único erro que cometer.
Não foi por falta de aviso, pai, eu sei, mas você foi testemunha daquele dia há 20 anos. O técnico me viu, sem ter medo, e depois do treino falou na hora que eu seria o goleiro.
Daquele momento em diante, você não disse qualquer palavra sobre o que eu iria fazer. Pelo contrário, me apoiou incondicionalmente.
Para mim, naquele início, era só brincadeira. Eu queria me divertir, como qualquer criança que gosta de jogar bola. E eu ainda tinha outras diversões, como soltar pipa na rua.
Mas o tempo mostrou que não era só diversão, pai. E mesmo sem que ninguém me pressionasse eu entendi.
Entendi que não podia brincar na rua como os outros garotos. Por causa dos treinamentos, entendi que os meus horários passaram a ficar mais apertados. Entendi que, com o nosso orçamento enxuto, o futebol poderia transformar as nossas vidas.
Guardo comigo suas palavras, pai: “Você vai mudar a nossa realidade”.
E então, quando piso hoje no gramado da Neo Química Arena para fazer meu aquecimento e sou saudado pela torcida, me lembro como foi aprender tudo do zero.
Não, até os cinco anos, eu não era goleiro (e mesmo se fosse, ninguém nasce sabendo).
Me esforcei sabendo o quão difícil seria, porque via, nos treinamentos, chegarem cada vez mais moleques talentosos no futsal.
Uma coisa é ter vocação, como o treinador dizia, a outra era se esforçar todos os dias para me tornar um goleiro melhor — com as valências, com os fundamentos, com a noção tática.
As pessoas acham que só porque é criança é só sair chutando bola, sem qualquer estratégia de jogo. Só que o futsal é uma arte diferente, não é, pai? Quer dizer, o técnico ensinava como nós devíamos nos posicionar, qual era a postura dentro da quadra e como nós tínhamos de agir fora dela, também.
A vida da gente não acontece em linha reta, tem muita porrada no meio do caminho, e houve meninos daquela safra que não vingaram como jogadores de futebol. Outros tiveram destinos nada virtuosos. É, essa parte é ruim de lembrar.
Por isso que jamais vou me esquecer do Rafael Bahia, o cara que me treinou e me ensinou coisas importantes que vão além do futebol. Eu tinha você, pai, dentro de casa, mas lá nas quadras ele mantinha o exemplo num padrão muito elevado. Coisa boa de recordar.
Meu tempo no Vasco acabou quando, de repente, eu teria de fazer a transição para o futebol de campo e, com isso, perder a ajuda de custo que mantinha a nossa casa.
Você, meu pai, cuidou de tudo, me dando a segurança necessária para que eu não me preocupasse. Como na palavra de Deus, você me dizia que Ele não ia deixar faltar nada. Mas, pai, eu podia sentir nos seus olhos a tensão para fazer a coisa acontecer, para que eu não ficasse sem clube.
Não, não faltou nada, mas é muito mais fácil contar essas coisas hoje do que vivenciar a angústia de não saber se eu ia continuar jogando.
A solução veio de um jeito que nenhum de nós esperava — e não é assim que é Deus trabalha?
O pai de um amigo, uma vez, te encontrou e você contou a minha história. O Flamengo tinha perdido o campeonato para o Vasco e o goleiro campeão estava sem clube? Lá estávamos nós na sede do Flamengo para contar a nossa história, para, quem sabe, fazer um teste e assim passar a jogar no maior rival do Vasco.
Quando chegamos lá, a surpresa: “O Hugo não veio fazer teste algum. O Hugo veio para ser titular”.
Era Deus no comando de todas as coisas! Mas sempre tem alguma coisa faltando… Eu não tinha recursos para poder treinar, apesar de ter sido contratado pelo Flamengo. Pela política do clube, não haveria salário. Outra vez estávamos encurralados.
E então veio o RioCard. A direção do clube me proporcionou o dinheiro exato, depositado no cartão, para que eu tivesse condições de ir e vir no Rio de Janeiro, sem que você tivesse que se preocupar com dinheiro pra mim.
Nessa época, a nossa situação de grana não estava nada boa, mas, mesmo assim, você recusava as ofertas que, para qualquer pessoa em nossa situação, seria mais do que vantajosa.
Jogar no campeonato da várzea em Duque de Caxias por 200/300 reais por partida. Rejeitar até 500 reais por uma disputa na semifinal.
“Seu filho não é goleiro? Então, bora jogar!!”
“Não é bom para o goleiro ficar parado…”
Esse dinheiro faria a diferença dentro de casa, principalmente quando você estava desempregado, pai.
Se você dissesse sim, eu poderia ter jogado aquelas partidas e ganhado alguma grana. Mas você se manteve firme e, para a surpresa de muita gente, recusou aquele dinheiro fácil.
“Você vai mudar a nossa realidade.”
A sua visão de longo prazo, pai, me impressiona. E hoje eu entendo: jogar aquelas partidas poderia trazer benefícios imediatos para a nossa vida, mas representaria arriscar a minha condição física e até mesmo emocional. Pra variar, você estava certo.
Muitos e muitos anos depois, eu ainda lembro que, no Flamengo, a vida não foi sempre fácil. Enquanto entre os profissionais o clube vinha se reestruturando, podendo comprar atletas de outros times, nas categorias de base a disputa não era menos acirrada.
Eram quatro goleiros, e só dois — às vezes três — eram convocados. Eu ficava feliz só de estar na lista.
Quem mandou ser goleiro? Agora aguenta! Eu falei pra tentar outra posição, não falei?
Você, pai, de todas as pessoas, poderia ter me dito isso. Poderia ter criticado minhas escolhas, questionado a minha vocação, me colocado pra baixo, dizendo, quem sabe?, que eu deveria me esforçar mais para provar o meu valor.
Em vez disso, meu pai, você me incentivou. Suas palavras eram um poço de tranquilidade para a minha ansiedade cada vez mais crescente. Quando eu questionava ou queria desistir porque não estava jogando, você me dizia: “Tenha calma, as coisas vão acontecer naturalmente”.
Eu poderia ter acreditado, mas a verdade é que, mais uma vez, o sobrenatural se manifestou.
O treinador que me subiu de categoria na base viu meu nome e perguntou por que eu não estava jogando, se era o melhor entre os goleiros que estavam disputando posição comigo.
Ele queria saber. E, no fundo, eu queria saber, também.
Na hora da convocação para o sub-17, veio a surpresa — para os outros e para mim.
— Hugo Souza.
— Quem é esse?
— É o Hugo. O Neneca.
— Nossa, o nome dele é Hugo?!
(Nem meus companheiros de clube sabiam meu nome.)
Eu tinha ficado treinando por quase dois anos e quando estava prestes a sair, sem esperança de subir de categoria, eu fui para o sub-17.
Nessa fase, nosso time se tornou imbatível. Ficamos muitos jogos sem perder — e mesmo quando éramos eliminados dos campeonatos, isso acontecia porque o regulamento da competição permitia, como na Copa do Brasil por conta do gol qualificado fora de casa.
Foi mais ou menos nessa época que veio a convocação para a Seleção Brasileira.
— Ei, Hugo, parabéns, cara!
— Parabéns pelo quê? O que você tá falando?
— Você foi convocado para a Seleção, olha aqui!
Eu queria acreditar no que os meus olhos estavam dizendo, mas minha emoção era maior. Cheguei em casa e todo mundo ficou feliz comigo: você, a mamãe, a minha irmã, os meus amigos. Tivemos até a ideia de comer pizza, só faltou combinar com o saldo da nossa conta bancária. Mas até nisso, nas pequenas coisas, Deus nos ajudou.
Conseguimos inteirar o dinheiro para comemorar.
Lembro que esse foi um dos últimos momentos, pai, que você esteve conosco, e foi uma das cenas mais emblemáticas para mim. Todo mundo ali, em casa, comemorando, o quanto as nossas vidas tinham mudado, do jeito que você tinha falado que iria acontecer.
Eu só não imaginava o quanto minha vida iria mudar dali pra frente.
No mesmo ano que você partiu, pai, não foi só o meu mundo que mudou. O planeta inteiro foi abalado pela pandemia de Covid-19. Não gosto nem de lembrar, porque muita gente sofreu: além das mortes, negócios inteiros foram afetados — e teve momentos que, mesmo querendo voltar ao normal, a gente achava que não ia dar certo.
Pensando bem, não, nada foi como antes.
Mas houve um dia, em setembro, que mesmo em meio a tanta tristeza e ainda de luto pela sua partida, eu vivi um dia especial.
Minha estreia como titular no time de cima do Flamengo não poderia ser mais desafiadora. Jogando fora de casa contra o Palmeiras, rival na disputa pelo título. Enquanto os caras estavam com força máxima, nosso time era recheado de promessas da base e só contava com Arrascaeta, Pedro e Gerson da equipe principal. Os demais atletas, ou estavam contundidos, como era o caso do Diego Alves, ou estavam infectados pela Covid-19.
Lembrando agora, pai, posso dizer o seguinte: eu não estava com medo. Eu queria muito jogar. E foi exatamente por isso que chorei quando o chefe da delegação disse, por volta das 15h, quando já estávamos no ônibus: “Vamos voltar pro quarto, que não vai ter jogo”.
Liguei pra mãe, que, além de me consolar, orou por mim.
— O que tiver de ser, será, meu filho.
E o jogo aconteceu.
O placar? Vencemos por 1 a 1. Você não leu errado, pai, vencemos, porque o Palmeiras tentou vazar a minha meta de todo o jeito, mas Deus me inspirou de tal maneira que fui empilhando defesas consideradas impossíveis. E o narrador da Globo gritava meu nome a cada investida do Palmeiras.
Naquele dia, ao ser escolhido o melhor em campo, eu chorei na entrevista.
Chorei de emoção por estar vivendo um momento abençoado.
Chorei porque fiquei aliviado da tensão daquele jogo.
Chorei porque me lembrei de suas palavras.
“Tenha calma, as coisas vão acontecer naturalmente.”
Ali, eu achava que a minha chave já tinha virado, e eu era uma realidade, então, nada poderia me abalar.
Mas você me avisou, lá atrás, que a vida de goleiro pode ser traiçoeira. Poucos vão se lembrar das defesas quando e se eu falhar. E as falhas, infelizmente, vieram.
Eu sou humano. E, mesmo com Deus no controle de todas as coisas, aprendi que o sucesso pode nos pregar peças.
Eu não estava preparado para suportar a pressão que atravessei. Foi tudo muito rápido. Então, pouco tempo depois da minha estreia, já estava no banco de reservas — e, mais tarde, fui negociado. De Duque de Caxias para Portugal. Fiz o caminho do exílio.
Será que a minha carreira se resumiria àqueles momentos?
Será que eu jamais viveria a emoção de jogar em alto nível?
Sei que sou novo, mas muita coisa passou pela minha cabeça, pai, e eu só podia me lembrar de seus ensinamentos e da palavra de Deus.
Em Portugal, fui destaque, mas o clube pelo qual eu jogava, o Chaves, foi rebaixado. O ano era 2024 e, como em outros momentos da minha vida, tudo parecia perdido.
Foi nessa época que busquei ajuda profissional, alguém que pudesse caminhar comigo. Eu estava sozinho em Portugal e precisava entender o que estava acontecendo. Me condicionei mentalmente para transformar toda a minha frustração em motivação para viver outro momento dali pra frente. Às vezes, a maior luta que nós temos de travar é com nós mesmos. Foi muito difícil, mas aquela preparação emocional tinha um propósito que eu só iria entender depois.
O Corinthians precisava de um goleiro, e eu precisava de um time como o Corinthians.
- Hugo Souza
Até que o Fabinho Soldado, que eu já conhecia do Flamengo e agora era diretor do Corinthians, me ligou.
“Qual é o Hugo que estou contratando? O atleta focado da base ou o deslumbrado pelo sucesso?”, ele me disse, antes de fechar o contrato.
A resposta viria imediatamente.
Em julho de 2024, eu chegava ao Parque São Jorge. Havia desconfiança da imprensa e a torcida estava prestando atenção em mim. O Corinthians precisava de um goleiro, e eu precisava de um time como o Corinthians.
E logo na minha estreia, contra o Criciúma, pude fazer umas defesas que empolgaram a torcida, que me abraçou logo de cara. Jogo após jogo, disputamos um campeonato contra nossos adversários e contra a desconfiança de quem acreditava que seríamos rebaixados.
E ninguém acreditou quando, em novembro, nós derrotamos o Palmeiras por 2 a 0, jogando em nossa casa, na Arena. Fizemos um jogo perfeito. Dali em diante, nosso time renasceu e espantou qualquer fantasma do rebaixamento.
Mas o melhor estava por vir.
Nos braços da nossa torcida, fomos disputar o Campeonato Paulista. Muitos times com condições de lutar pelo título, e a pressão em São Paulo é grande por conta dos clássicos.
Na fase de classificação, enfrentamos o Palmeiras. Era o meu reencontro com esse adversário num estádio onde tudo começou pra mim. O jogo caminhava para um empate. Mas estávamos sendo pressionados. Até que o juiz marcou pênalti no Estêvão.
Com personalidade, ele pegou a bola. Partiu para a cobrança. Forte, no meu lado direito.
A torcida já comemorava, mas eu ouvia a sua voz, pai: “Tenha calma, as coisas vão acontecer naturalmente”.
E ouvia a voz do Fabinho Soldado: “Qual Hugo Souza eu estou contratando?”.
E ouvia a voz da torcida: “Vai, Corinthians!”.
Então, eu voei na bola e defendi o pênalti, que imediatamente passou a ser classificado como mal batido (eu sei, você me avisou que seria assim, ninguém reconhece o goleiro).
Mais uma vez, contra o Palmeiras, eu saía como destaque da partida. E o nosso time foi ganhando confiança até chegar à fase final.
Passamos pelo Mirassol.
Passamos pelo Santos.
E na decisão enfrentamos quem? Sim, o Palmeiras, nosso maior rival.
Como aprendi desde que estou aqui, um Corinthians x Palmeiras não é só um clássico.
É o jogo da vida.
Ser jogador do Corinthians é saber que a cobrança será equivalente ao apoio que a Fiel vai nos dar antes, durante e depois dos jogos.
- Hugo Souza
O Palmeiras buscava o tetracampeonato, numa sequência de títulos que o colocava como favorito para a decisão. E o Corinthians vinha de uma eliminação na Libertadores e com seis anos sem ganhar título.
Fomos para o jogo desacreditados, quer dizer, para os outros, né? Quem estava de fora dizia que a nossa chance era muito pequena de ganhar a primeira partida porque nós estávamos longe da Neo Química Arena.
Só que ninguém sabe do que a Fiel é capaz.
A torcida esperou a saída do ônibus e, naquele que era um momento ruim, foi lá e demonstrou apoio ao nosso time. E a resposta veio dentro de campo: a gente se impôs na casa dos caras e nós vencemos. 1 a 0. Gol do Yuri.
E então veio a grande final.
Jogávamos pelo empate e, com a festa da nossa torcida, estávamos bem na partida. O Garro já tinha colocado uma bola na trave.
Até que, aos 26 minutos do segundo tempo, pênalti para o Palmeiras.
Dessa vez, quem pegou a bola foi Raphael Veiga, o capitão dos caras. Era o grande momento da decisão, pai. Eu já disputei outras finais na vida, já enfrentei outras cobranças de pênalti antes, mas, olhando agora, em nenhuma delas havia tantos ingredientes decisivos.
Naquele instante, eu não tive a dimensão do que estava acontecendo. Se fosse outra torcida, o clima seria de velório. Mas, na hora que o juiz marcou o pênalti, o grito da Fiel não foi embora. Pelo contrário, o volume ficou mais alto. Eu não tinha certeza se ia pegar o pênalti, embora tivesse estudado os batedores. Mas a sensação que eu tive é de que a torcida jamais duvidou que eu fosse fazer aquela defesa. Isso mexeu comigo.
Ser jogador do Corinthians é saber que a cobrança será equivalente ao apoio que a Fiel vai nos dar antes, durante e depois dos jogos. Essa lealdade faz com que a nossa postura seja diferente dentro de campo.
A pressão era imensa e dava pra sentir no ar. Mas naquele momento eu estava concentrado. E podia ouvir a torcida, que não parava de gritar. A atmosfera já estava diferente. Veiga ajeitou a bola. Tomou distância. E correu pra bola.
Não, Veiga, hoje ninguém vai fazer gol aqui. Não comigo no gol.
O chute saiu forte no meu lado direito, rasteiro, e o gol seria certo, mas eu estava inteiro na bola. Quando fiz a defesa, todos os meus companheiros vieram pra cima de mim, me abraçaram, e eu só conseguia dizer: “Presta atenção na bola, é escanteio!”.
Alguns dias depois, começaram a aparecer muitos vídeos, de como a torcida reagiu à defesa de pênalti. Houve quem se ajoelhasse na frente da TV. Teve gente gritando na janela. E teve um garoto, que, com sua reação, me pegou demais.
O nome dele é Samuel, e foi a mãe que gravou. Assim que saiu o pênalti, ele começou a falar, como numa oração:
“Você pega, Hugo, você pega! Entra na cabeça dele!”
Enquanto isso, no campo, eu caminhava para debaixo das traves.
“Pega a bola, pega a bola.”
Nesse momento, o Veiga, depois de arrumar a bola, ajeitava o cabelo.
“Você pega, Hugo, você pega, você sabe como ele bate!”
Samuel batia palmas, como se estivesse na posição de fazer a defesa.
“Você pega, Hugo! Você pega, Hugo!!”
O chute saiu, eu defendi, ele continuou a gritar:
“Peeegaaa, Hugooo!”
Depois do pênalti, ele foi às lágrimas e representou o que muitos corinthianos estavam sentindo naquele momento, na noite de 27 de março.
E assim que o jogo acabou, me lembro de ter ajoelhado no gramado. Eu chorei, pai, chorei muito.
Menos de um ano de clube, já fui campeão pelo Corinthians contra o principal rival. Aquele turbilhão de emoções me fez lembrar de tudo.
Do começo, quando nem sabia o que era ser goleiro.
Das dificuldades com a troca de clube, da passagem do futebol de salão para o futebol de campo.
Da falta de dinheiro e do seu esforço para que o nosso sonho não fosse em vão.
E acima de tudo, pai, eu me lembrei de você.
A pressão de jogar por um clube como o Corinthians, com seus milhões de torcedores, é muito grande. E a exigência é natural, vem todo dia, e o goleiro é quem menos pode falhar. Ainda mais como goleiro do Corinthians. Uma responsabilidade que só não é maior do que a minha vontade de empilhar títulos enquanto tiver a honra de vestir essa camisa tão pesada.
O que eu aprendi é o que você, pai, me ensinou com o exemplo. Seguir em frente sempre, não perdendo a nossa essência, sem esquecer do lugar de onde a gente veio e do quanto lutamos e renunciamos para estar aqui.
Ainda sou muito novo, eu sei, mas vivi várias emoções no futebol. Já perdi, mas também já ganhei. Sei que haverá coisas grandes pela frente: novos desafios, novas defesas, novas cobranças. Mas de uma coisa eu tenho certeza, pai: você estará sempre presente nos meus pensamentos, nas minhas atitudes e na minha segurança ao entrar em campo.
A saudade é imensa,
Do teu filho,
Hugo